
Intolerância religiosa é tema de audiência na Câmara de Cachoeirinha com presença das deputadas Luciana Genro e Laura Sito
Mestre Lukas, fundador da N.O.L.T. e propositor do seminário anteriormente cancelado pela Câmara de Vereadores, também participou do evento
Proposta pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL), uma audiência pública para debater os crescentes casos de intolerância religiosa foi realizada na Câmara de Vereadores de Cachoeirinha, nesta quarta-feira (07.05). O evento teve como proponente o vereador Gustavo Almansa (PT) e contou com a presença da deputada estadual Laura Sito (PT) e dos fundadores da Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T.), Mestre Lukas de Bará da Rua e Tata Hélio de Astaroth. Em março, a casa havia cancelado o seminário proposto pelo sacerdote, após notícias veicularem sua ligação com a N.O.L.T.
Reunindo mais de 60 pessoas, entre lideranças religiosas, autoridades e a comunidade local, para discutir o tema e buscar soluções, a audiência iniciou e terminou com entoações de hinos de Umbanda e Quimbanda.A mesa foi composta também pelo coronel Clodelmilton Bueno, representando a Brigada Militar, Mãe Leni de Xangô, Pai Alex Araújo e Pai Person de Oxalá, representando o Conselho Estadual do Povo de Terreiro.

A iniciativa para a audiência surgiu após um grave episódio de intolerância ocorrido no município, no mês anterior, quando religiosos de matriz africana foram impedidos de entrar na Câmara de Vereadores. O seminário que havia sido proposto por Mestre Lukas acabou sendo cancelado de forma abrupta, com participantes já esperando para entrar
Em sua fala, Luciana Genro ressaltou a importância do debate e a forma como a intolerância religiosa é socialmente construída, afetando diretamente a liberdade de crença e os direitos humanos.
"A gente não pode aceitar que em pleno século XXI, com uma Constituição que garante a liberdade religiosa, ainda vejamos pessoas impedidas de exercer a sua fé com dignidade e com segurança", afirmou a deputada.
A deputada Laura Sito, vice-presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, também se manifestou, reforçando o compromisso com a pauta e a luta contra a intolerância religiosa, que se cruza com o racismo estrutural, especialmente contra as religiões de matriz africana.
"Nosso estado foi uma das principais portas de entrada do tráfico negreiro. Hoje somos o estado mais segregado do país e ironicamente com o maior número de terreiros. Aqui é um dos lugares onde nós [o povo negro] tivemos a religiosidade para que pudéssemos durante séculos, nos organizar em resistência e resiliência para manter o nosso povo vivo", concluiu a deputada.
O vereador Gustavo Almansa, destacou a importância de ouvir todas as religiões e a necessidade de combater todas as formas de preconceito, já que a discriminação contra religiões de matriz africana também se relaciona com o rascismo e a homofobia.
"É importante a gente pontuar aqui que estamos falando sobre diversidade. Cachoeirinha é diversa, é plural, e vamos ouvir você para fazer políticas públicas para garantir a liberdade da fé e a liberdade de expressão", ressaltou o vereador.
A luta de Mestre Lukas
Entre os participantes, Mestre Lukas, que trava uma batalha judicial com a Prefeitura de Gravataí, teve participação destacada ao expor situação que passa para liberação de seu alvará, sem andamento há mais de nove meses. Para o sacerdote, já existe uma perseguição sistemática por parte da Prefeitura de Gravataí, que busca impedi-lo de obter o alvará para o santuário da N.O.L.T., em um terreno adquirido legalmente e com recursos privados.

Na ocasião, Mestre Lukas detalhou as dificuldades que vêm sendo enfrentadas, incluindo a alegação de que o Conselho que aprovou inicialmente seu pedido não estaria devidamente homologado, apesar de estar ativo há mais de dois anos e ter emitido centenas de alvarás anteriormente.
"Tudo que eles me solicitaram, eu entreguei. Mas quem me pede o alvará é a Prefeitura de Gravataí e quem me nega é a própria Prefeitura. Como que eu vou conseguir esse documento? Então precisamos buscar mais espaço, precisamos nos mobilizar e precisamos lutar", ressaltou Mestre Lukas.
Contexto de intolerância atinge toda a comunidade
A audiência pública também abordou outros casos de intolerância na região e medidas para combater o crime. Segundo o coronel Clodelmilton Bueno, representando a Brigada Militar, foram apresentadas 38 ocorrências de intolerância religiosa de 2024 a 2025 e que vem sendo observado um aumento desses.
Bueno apontou que a maior parte das queixas são provenientes dos vizinhos e se referem ao som (62%). Ele também mencionou a preocupação da corporação em melhorar o atendimento e o preparo dos agentes para lidar com essas situações.
"Compete ao estado preparar seus agentes para saberem lidar com esses casos. Acho importante criar um canal de conversa entre a Brigada Militar e os religiosos para melhorar o nosso atendimento", destacou o coronel.
Apesar de possuir alvarás e realizar atividades sociais, o templo Portal Caminhos de Aruanda, comandado por Pai Alex Araújo, há quatro anos sofre perseguições. Pai Alex relatou sua experiência com perseguições, incluindo o uso indevido de forças policiais e dificuldades burocráticas.
"Nós temos horários que demandam o povo. O povo trabalha até às 19, 18 horas. Como que eu vou atender? Eu poderia tocar gira de manhã, de tarde, mas eu atendo ao povo gratuitamente..."
Mãe Leni de Xangô, moradora de Cachoeirinha há 32 anos, também compartilhou suas vivências com a intolerância, incluindo ameaças e o desrespeito às práticas religiosas.
"Eu não preciso que me tolere, eu exijo que me respeite", reforçou a líder espiritual.
Pai Person de Oxalá, do Conselho Estadual do Povo de Terreiro, fez um apelo à união entre os adeptos das religiões de matriz africana, criticando a hipocrisia e a falta de respeito mútuo que, segundo ele, enfraquecem a luta contra a intolerância.
"O que adianta é a gente dar as mãos. É como o Batuque, se nós não dermos as mãos, a balança não cai. Se nós queremos melhorar, nós precisamos de união", reforçou o conselheiro.
Encaminhamentos e soluções propostas
Por fim, os assessores da deputada Luciana Genro também denunciaram que, ao agendar a audiência pública, convidaram todos os parlamentares da casa, sendo que nenhum vereador, além do proponente Gustavo Almansa, se fez presente.
A deputada Luciana Genro enfatizou que a audiência é um espaço essencial para ouvir a comunidade, reunir denúncias e cobrar providências dos órgãos públicos.
"Infelizmente, o que vimos em Cachoeirinha não é um caso isolado. É reflexo de uma estrutura de preconceito que ainda nega o direito à liberdade religiosa, especialmente das religiões de matriz africana. Precisamos enfrentar isso com seriedade e com ações concretas. Intolerância é crime", destacou a deputada.

A mobilização em Cachoeirinha segue o exemplo de outras iniciativas, como a audiência pública realizada em Santa Cruz do Sul, também presidida pela deputada Luciana Genro, que resultou na solicitação formal ao Governo do Estado para a criação de uma Delegacia Especializada no Combate à Intolerância Religiosa.
A expectativa é que os debates da audiência reflitam nos encaminhamentos propostos e resultem em medidas efetivas para coibir a intolerância religiosa no município e no estado, garantindo que todos religiosos possam exercer sua fé e construir seus espaços sagrados sem restrições.
Confira a transmissão completa da audiência: